
Montadoras afirmam que Receita ‘rompe’ acordo entre Mercosul e México
Montadoras instaladas no país afirmam que autuações da Receita Federal vêm, na prática, rompendo o principal pilar do ACE 55 (Acordo de Complementação Econômica) entre o Mercosul e o México. No centro dessas discussões está a importação de autopeças usadas na montagem de veículos no Brasil por Hyundai, Honda, Nissan, GM e Volkswagen, entre outras, desde 2022.
Isso torna o produto nacional mais caro no momento em que o presidente dos EUA, Donald Trump, impõe um tarifaço ao mundo. Montadoras instaladas na América do Sul já planejam se transferir para o México, parceiro dos EUA no Nafta, como forma de escapar dessa ofensiva.
Documentos obtidos pelo Painel S.A. mostram que as autuações aumentaram em 2023 e 2024 e todas, sem exceção, referem-se a um suposto descumprimento de cotas de conteúdo local na produção das autopeças.
Pelo acordo, componentes de um veículo devem ter ao menos 40% de conteúdo produzido na região — Mercosul e México. Caso contrário, serão tratados como importação de outro país fora do acordo. Ou seja, sem benefício tributário.
De acordo com os autos de infração a que a coluna teve acesso, a Receita passou a considerar a cota de 40% em todos os insumos usados na fabricação das peças.
Em vez de considerar um motor totalmente acabado, o fisco passou a verificar a origem de cada insumo usado na fabricação deste item. Queria saber, por exemplo, a origem do aço usado ou de outras ligas. Na prática, dizem as empresas nos autos, por esse critério, dificilmente uma peça passará pelo crivo do fisco.
Segundo as montadoras, o ACE 55 permite que países do Mercosul e o México desenvolvam a indústria automotiva por meio do livre comércio na região.
QUASE O DOBRO DOS CUSTOS TARIFÁRIOS
“A nova interpretação adotada pelo Brasil, ao mesmo tempo que favorece os carros chineses, prejudica as demais montadoras brasileiras que agora terão que suportar 36% a mais de impostos, totalizando 71,49% em custos tarifários”, diz o ex-secretário da Receita Federal, o advogado Julio Cesar Vieira Gomes.
“A nova interpretação do governo brasileiro, imposta unilateralmente ao México, viola cláusulas de um acordo internacional vigente há mais 20 anos, para impor restrições contraditórias às finalidades do acordo e em prejuízo da própria indústria nacional.”
O ex-chefe da Receita advoga para o setor e afirma ter visitado o México, que hoje reclama dessa situação.
A fabricação de veículos exige elevados custos e uma complexa cadeia de suprimentos. Como os países em desenvolvimento não dispõem de autossuficiência ao longo de toda a cadeia, a complementação econômica se apresenta como uma solução para suprir essa dificuldade.
Na prática, cada país se dedica à fabricação de um conjunto determinado de autopeças e promovem entre si a circulação livre de seus produtos. Cria-se dessa forma uma linha de produção supranacional de veículos, beneficiando a região, especialmente diante da competição com veículos elétricos chineses, como a BYD.
A COTA DE CADA UM
As montadoras autuadas reclamam que a nova interpretação adotada unilateralmente pelo Brasil obriga a demonstração de origem de todos os componentes de uma peça e não os 40% locais daquela mesma peça.
Segundo relatos, antes disso, somente nas exportações de autopeças de reposição para veículos usados esse tipo de procedimento era exigido.
Para o cálculo do chamado ICR [cota] de 40%, o governo brasileiro exige que até a matéria-prima empregada na fabricação da autopeça seja produzida no país de exportação.
Em um motor automotivo ou um sistema de câmbio exportado para o Brasil, por exemplo, o ao menos 40% do produto seja integralmente produzido no país exportador, até mesmo o aço que compõe cada um de seus componentes”, afirma o advogado Murilo Leles.
Consultado, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio afirmou desconhecer qualquer alteração nos termos do acordo. A Receita Federal não respondeu até a publicação desta reportagem.
NADA MUDOU, DIZ ANFAVEA
As montadoras mencionadas não se manifestaram porque os processos são sigilosos. Em nota, a Anfavea, associação que representa o setor no país, informa que as regras do referido acordo estão em vigor desde 2019 sem alterações.
“Não houve mudanças, flexibilizações ou revisões recentes na regra de origem ou em sua interpretação por parte das autoridades brasileiras”, diz a associação.
No entanto, a Anfavea diz que ambos os países (Brasil e México) têm “plena prerrogativa de fiscalizar os certificados de origem emitidos, com objetivo de garantir que todos os requisitos definidos no acordo sejam devidamente cumpridos”.
Fonte: Uol Notícias